A banalização das agressões a jogadores
O atentado ao ônibus do Fortaleza é mais um de uma série de ataques físicos e psicológicos aos atletas de futebol. E não é só aqui...
O caso bárbaro envolvendo o atentado ao ônibus do Fortaleza choca pela agressividade, mas também pela sensação de total impunidade. Os discursos agora são de “punição” e “consequências”, mas ninguém diz exatamente como é possível impedir atos como estes de ocorrerem novamente.
Punir o clube solucionaria?
Punir o indivíduo (de que forma) ?
Aumentar o efetivo policial ao redor dos ônibus é uma solução que queremos?
Não vou me alongar nessa parte, porque sei pouco sobre o tema e acho que ainda precisamos de mais informações. Rapidamente digo que penso que as instituições torcidas organizadas precisam ser mais responsabilizadas e que os clubes precisam participar mais também. Não basta apenas emitir notas de repúdio ou apontar os erros dos outros.
Agora o que eu gostaria de falar um pouco mais é sobre a parte da agressão a jogadores. Este era um texto que eu já estava escrevendo a conta-gotas e que agora publico aqui. Ele se baseia em alguns textos e informações que andei lendo nos últimos meses.
Vou começar pelo relato do atacante do Leeds United, Patrick Bamford. Ele contou em um podcast da BBC que foi alvo de agressões online e presenciais na temporada passada, quando os Whites brigavam contra o rebaixamento na Premier League (o que acabou ocorrendo). Bamford disse que, depois de perder um pênalti contra o Newcastle, em um jogo no qual o time dele poderia abrir 2 a 0, mas no qual acabou tomando a virada (no fim foi 2 a 2), a esposa dele ligou com a voz alterada dizendo que havia dois carros parados na porta da casa deles há mais de 20 minutos. Bamford correu para lá e, ao chegar, se deparou com os automóveis e os motoristas, que simplesmente o observaram sem falar uma única palavra. Depois, quando o portão se abriu, eles foram embora.
A situação foi seguida por uma série de ameaças nas redes sociais a Bamford, à esposa dele, ao cachorro dele e à filha pequena… E tudo porque o rapaz perdeu um pênalti que não deveria perder.
É um relato pesado, que foi visto com grande espanto pelos ingleses pelo que pude acompanhar, mas acho que aqui no Brasil a indignação não seria tão grande. Acho que muitos consumidores de futebol olhariam e falariam “não houve violência”. Bom, a violência é evidente e não é um caso isolado...
Os atletas têm percebido isso e têm ficado cada vez mais receosos com o discurso de ódio das redes e a invasão dele para o mundo real, por assim dizer.
Neste artigo, o The Guardian diz que um relatório do sindicato internacional dos jogadores, o Fifpro, pinta um quadro preocupante do stress sofrido pelos jogadores em meio a um aumento de agressões físicas e verbais após a pandemia. De acordo com o estudo, 76% dos entrevistados disseram que a segurança e a saúde no local de trabalho eram uma preocupação crescente, 68% pensavam que havia uma “tensão na cultura do futebol” associada à violência e ao abuso e 66% pensavam que a cultura dos torcedores estava mais violenta e abusiva nos últimos anos. Os jogadores citam ainda medos como objetos atirados das arquibancadas, sinalizadores atirados no gramado, gritos ofensivos/discriminatórios e invasões de campo, entre outros.
E aqui o mais interessante para mim, embora devamos ter cautela pois não são especialistas e sim vítimas falando: perguntados sobre as razões para esse aumento da violência, percepção da violência ou medo da violência, 78% disseram que as redes sociais mudaram as fronteiras entre jogadores e torcedores.
Segue trecho em tradução livre da matéria do The Guardian:
“Um jogador, citado anonimamente, disse que as redes sociais permitiram “acesso constante ao meu verdadeiro eu como jogador”, o que, por sua vez, “reduziu o limite para os torcedores no estádio a um ponto em que alguns pensam que têm o direito de fazer coisas que realmente não têm”.
Em partes essa é uma conclusão partilhada por Anna-Lena von Hodenberg, CEO da organização sem fins lucrativos HateAid, que defende vítimas de discurso de ódio online. Para ela, entre os motivos que explicam o aumento do abuso online contra atletas estão: acesso fácil aos jogadores, obrigações contratuais para que eles estejam nas redes sociais, mínimas consequências contra os abusadores e o controle de dados feito pelas plataformas.
Mas o que fazer? A CEO da HateAid diz que as mudanças não serão rápidas e que ter acesso aos dados pessoais de quem comete crimes online seria um grande passo para que houvesse consequências mais sólidas. Ela também adiciona que mais discussões sobre o tema, medidas mais eficazes na aplicação da lei, mais colaboração com as plataformas e participação mais efetiva dos clubes ajudariam nesta tarefa.
Já o relatório da Fifpro conclui que é preciso tomar medidas mais fortes contra o abuso online e da vida real, mas sugere uma educação melhor para que alguns atos sejam considerados intoleráveis dentro da cultura dos fãs e dos torcedores.
Eu acredito muito nesse último ponto e tento fazê-lo dentro do meu papel como formador de opinião.
É verdade que o futebol está sempre na linha fina entre entretenimento e seriedade, descontração e profissionalismo, superação e diversão e que por isso “falar mal” ou “cornetar” pode sempre fazer parte da experiência de quem torce, consome e produz conteúdo sobre esporte. Por outro lado, estes aspectos mais “soltos” em relação ao esporte, muitas vezes têm dado licença a desrespeitos, ofensas e a tudo o que vem depois disso… Afinal de contas, quem é que traça o limite?
Muitos dirão que sofrer esse tipo de abuso é inerente à profissão ou que “atletas ganham muito dinheiro, então tem que aguentar…”. Minha visão é outra: Estar sob o escrutínio público o tempo todo é inerente sim, mas ser alvo de agressão física, verbal e psicológica não.
Me parece que ter esse entendimento é um passo crucial para que sejamos capazes de ressignificar essas relações com quem nos representa ou deveria nos representar dentro das quadras, campos, ginásios, etc.